O Clero
O clero desempenha na corte de D. João V um poder extraordinário e demagógico. Cultiva também os preceitos cerimoniais, de acordo com a personalidade egocêntrica do rei: “Entre passar adiante e dizer o recado há vénia complicadas, floreios de aproximação, pausas e recuos, que são as fórmulas de acesso à vizinhança do rei. Conseguindo convencer o monarca de que terá filhos se mandar construir um convento em Mafra, antiga aspiração daquela ordem religiosa. No entanto, o grande poder da Igreja reside no Santo Ofício que “tem bem abertos os olhos, em vez de balança um ramo de oliveira, e uma espada afiada onde a outra é romba e com bocas” e que domina o próprio soberano: “ El-rei, sendo caso duvidoso, só fará o que o Santo Ofício lhe disser que faça.” Através da Inquisição, da tortura, da denúncia, dos suplícios, pretendem os clérigos impor a sua vontade, eliminar todos quantos se lhe opõem, silenciar as vozes discordantes, manter a harmonia de acordo com os seus próprios interesses e vontades, retirando dos autos-de-fé grandes benefícios. Um dos seus braços visíveis é a censura aos sermões dos próprios padres, o que inspira temor e terror até ao padre Bartolomeu “o padre, assim interpelado directamente, estremece, levanta-se agitado, vai até à porta, olha para fora, e, tendo voltado, responde em voz baixa, Do Santo Oficio.” Também do aluguer de bens próprios tiram dividendos “ pela serventia dos machos, que são dos ditos frades, foram pagos doze mil réis, é um aluguer como outro, não estranhemos”. Todas estas circunstâncias são beneficiadas pela extrema devoção da rainha, sempre com novenas e devoções, rezando infinitamente, favorecendo com os seus temores e fervor religioso o poder tentacular da Igreja, que também tirará grandes dividendos do convento de Mafra.
A Igreja aproveita habilmente a ignorância do povo para atemorizar e explorar e para o levar a dar graças “Andava procissão na rua, todos dando graças pelo prodígio que fora Deus servido fazer, mandando voar por cima das obras da basílica o seu Espírito Santo”. Todas as doutrinas são hipócritas e falsamente morais, é do conhecimento geral que o rei tem relações com as freiras, pois que os frades não cumprem o celibato “vêm para aí os frades fornicar as mulheres, como é costume deles”. Curioso e hilariante é também a história de onde é posta a nu a verdade das relações carnais praticadas por muitos membros do clero e que sobressai na manifestação pública das freiras, “ com o que pretende sua majestade pôr cobro ao escândalo de que são causa os freiráticos, nobres e não nobres, que frequentam as esposas do Senhor e as deixam grávidas no tempo de uma ave-maria”.
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